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POSTAGENS

domingo, 31 de maio de 2009

SER NEGRO


Trabalho em uma Escola Municipal no extremo sul de Porto Alegre. A escola nasceu no interior de um assentamento feito pelo poder publico. As famílias que foram ali assentadas, em torno de 600, vieram inicialmente de diversas regiões, entre elas, algumas áreas de risco em Belém Novo e alguns moradores da orla do Guaíba.
A Escola atende em torno de 1.200 alunos e trabalha com os filhos dessas famílias que não são, em sua maioria, negras.
Atendemos na escola uma população de alunos negros muito pequena e ao contrário da maioria dos locais, um grande número de professores negros. Aliás, tínhamos até o ano passado, muitos professores que entraram pelo sistema de cotas.
Trago essas informações para tentar entender a admiração e surpresa dos alunos ao serem questionados sobre “ser um aluno negro naquela escola”.
Os cinco alunos que entrevistei, dentre 11 e 13 anos, ficaram muito surpresos com a minha pergunta, pois disseram nunca ter sofrido nenhum tipo de discriminação. As perguntas foram diretas e me preocupei primeiro em saber se eles tinham consciência de que eram negros. Perguntei: qual a tua cor? Todos os cinco responderam: sou negro(a). E continuei minhas indagações no sentido de saber seus sentimentos com relação à sua cor dentro da escola. Suas respostas permeavam sempre os mesmos significados: Como assim? Me sinto normal. Um disse: Não entendi! Repeti a pergunta detalhando-a um pouco mais e ele me retornou: me sinto bem! Continuei desenvolvendo diálogos diferenciados, com cada um, individualmente, de acordo com o desenrolar de suas respostas.
É bem certo que, de alguma forma, já devam ter sofrido alguma discriminação, visto que, o preconceito racial é ainda uma realidade. Em todas as conversas, no fundo, encontrei subjetivos pontos que me fizeram pensar nisso. E me chamou atenção a falta de consciência dessa situação por parte dos alunos que entrevistei.
Penso que o fato de haver uma porção significante de professores negros, talvez mascare a sensação de preconceito, haja vista a presença constante de atitudes voltadas para convivência entre negros e brancos dentro da escola. O dia 20 de novembro, dia da consciência negra, por exemplo, é uma data instituidamente significante em nossa escola. Um dia em que estimulamos uma mais complexa reflexão sobre o assunto. De qualquer forma, identifiquei nesses alunos uma naturalidade intrínseca referente à sua afro-descendência.
Dentre os aspectos que observei mais superficialmente, há um que chama bastante atenção. Dos cinco alunos, três expressam, através de características físicas, mostras de uma cultura diferenciada. Usam tranças, tererês e penteados que, de certa forma, os fazem assumir a sua negritude. Mas, diante dos diálogos desenvolvidos, percebi que isso não se dá de forma consciente. Faz parte, de uma moda sugestionada, onde se convencionou comportamentos iguais e padrões estéticos.
Dentro dessa ótica, destaco algumas dimensões afro-culturais visualizadas. Observei o movimento, caracterizado pela dança, percussão e ritmos que são elementos presentes no cotidiano escolar. A família dos citados alunos parecem também levar sua afro-descendência da mesma forma que os filhos, sem muita compreensão dos aspectos históricos e culturais que os envolvem. Posso dizer que isso é tão forte, que eles próprios geram preconceito contra si mesmos, pois, volta e meia escuto negros usando palavras que disseminam racismo. Isso reforça um pensamento historicamente incutido na consciência das pessoas. Creio que o ideais racistas conscientes, ou inconscientes possam estar escondidos atrás de fatores éticos ou morais, tacitamente acordados pelos educadores.

2 comentários:

Beatriz disse...

De qualquer forma Zinara, parece que na ta escola se estabeleceu um convívio sem maiores problemas entre as pessoas diferentes na cor. Ontem vi um filme que me chocou bastante: O vizinho. Ai se percebe a carga de vários fatores que convergem para situações discriminatórias não esperadas. Ali aparece algo que sempre me chamou a atenção: nos Estados Unidos, cargos de chefia em Policia são ocupados em sua maioria( claro que vejo em filmes e imagino que retratem um pouco da realidade)por negros. Por que será? Podemos ter várias hipóteses. Um abração
Bea

Unknown disse...

Oi,Zinara!Já fiz comentário no teu webfólio,mas teu texto é muito rico para análises!Destaco aqui sua colocação relativa ao fato de ,no fundo das falas dos alunos negros(aqui você faz uma bela análise de discurso),encontrar subjetivos pontos que te levavam à discriminação e a falta de consciência.São dados significativos no afro-brasileiro.Importante,também,teu último parágrafo,quanto ao racismo consciente ou não dos educadores os quais muitas vezes não se apercebem da sua condução pedagógica nesse sentido.Forte Asé,Marilene