
Muitos livros, bate-papos, discussões, e alguns encontros inusitados.
Foi mais ou menos assim que fui assistir Elisa Lucinda e a sua fúria poética.
Elisa não precisou ser apresentada, nem entrevistada. Chegou recitando seus versos, contando sua vida e militância pela causa poética. Vive poesia, fala poesia, respira poesia, faz curas com poesia, e é a própria poesia.
A fúria da beleza
Estupidamente bela
a beleza dessa “maria-sem-vergonha”
soca meu peito esta manhã!
Estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter a consciência
desse todo, naquele instante não nos falta nada.
É um pá, um tapa, um golpe, um bote
que nos paralisa, organiza, dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda a beleza doeu
profundo no peito essa manhã.
Doeu tanto que eu dei de chorar.
Por causa de uma flor comum e misteriosa do caminho.
Uma delicada flor ordinária, brotada da trivialidade
do mato, nascida do varejo da natureza, me deu espanto!
Me tirou a roupa, o rumo, o prumo e me pôs a mesa...
é a porrada da beleza!
Eu dei de chorar de uma alegria funda, quase tristeza.
Acontece às vezes e não avisa.
A coisa estarrece e abre-se um portal.
É uma dobradura do real, uma dimensão dele,
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum.
E é real.
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força que eu dei de soluçar!
O esplendor do que vi era pancada, era baque e era bonito demais!
Penso, às vezes, que vivo pra esse momento indefinível,
sagrado, material, cósmico, quase molecular.
Posto que é mistério, descrevê-lo exato
perambula ermo dentro da palavra impronunciável.
Sei que é desta flechada de luz que nasce o acontecimento poético.
Poesia é quando a iluminação zureta, bela
e furiosa desse espanto se transforma em palavra!
A florzinha distraída, existindo singela na rua
paralelepípeda esta manhã,
doeu profundo como se passasse do ponto.
Como aquele ponto do gozo, como aquele
ápice do prazer, que a gente pensa que vai até morrer!
Como aquele máximo indivisível,
que de tão bom é bom de doer,
aquele momento em que a gente pede
para querendo e não podendo mais querer,
porque mais do que aquilo não se agüenta mais...
sabe como é ?
Violenta, às vezes,
de tão bela, a beleza é!
Elisa Lucinda
Terminou sua mostra poética cantando, à capela, uns versos de João da Cunha Vargas, musicado pela poesia melódica de Vitor Ramil.
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